Mosteiro das Sete Formas, 20 de Neth de 4592 AR (parte II)


Quando entrou na cozinha, Ayalal deparou-se com um dos rapazes a empunhar firmemente o atiçador da lareira, e uma rapariga a segurar na vassoura, um passo atrás dele, enquanto observavam de olhos semicerrados um armário alto que se erguia encostado a um canto.

– Foi lá para baixo, eu vi! – disse outro dos órfãos, ajoelhando-se e quase encostando o rosto ao chão para espreitar. – Está lá, sim. Tenta tirá-lo com a vassoura.

– E se a coisa salta para cima de mim?! – perguntou a rapariga, chocada. – Eu dou-lhe com a vassoura se ele tentar sair…

Ayalal ponderou seriamente em deixá-los entretidos com fosse qual fosse o bicho que haviam encontrado. No entanto a sua consciência não o deixaria em paz se não soubesse o que poderia ser, principalmente havendo um quarto cheio de doentes por cima da cabeça de todos eles.

– O que se passa? – perguntou, após o segundo que usara para ganhar coragem.

Seis cabeças rodaram e olharam-no por cima dos ombros.

– É um rato gigante – disse a rapariga, muito depressa. – Estava escondido na despensa e, quando fui lá, fugiu.

Ayalal não acreditava que o animal fosse assim tão grande. Mas, segundo ouvira dizer, os ratos podiam causar muitas doenças, e se esse estivera escondido no sítio onde guardavam a maior parte dos alimentos, havia a possibilidade de ser ele o culpado para o que se passava nos últimos dias.

– Dá cá isso. – Um dos outros rapazes arrancou a vassoura da mão da pequena e baixou-se junto ao armário, enfiando a extremidade inferior por baixo do móvel e empurrando com força.

Escutou-se um guincho fino e, num movimento rápido, o animal surgiu, correndo desenfreadamente para tentar escapar. O atiçador da lareira caiu na direcção dele, porém falhou o alvo, batendo antes na pedra fria e ressoando na cozinha.

O rato tinha o comprimento de uma mão adulta aberta e uma magreza doentia – um olhar mais atento detectaria com facilidade várias peladas que revelavam a pele ulcerosa que o cobria. Por um instante, ele olhou na direcção da porta, onde estava Ay, e depois na da janela fechada, medindo as hipóteses de fuga. Enveredou pela primeira opção.

O rapaz ficou parado, vendo-o correr para si. Uma parte da mente dizia-lhe que o correcto era matá-lo, outra sentia pena dele. Não passava de um animal inocente que, como todos eles, só deveria querer um local seguro para viver.

Porém, antes sequer de o animal o conseguir alcançar, uma vassourada caiu sobre ele, atordoando-o. Seguiu-se-lhe o atiçador, que lhe arrancou outro guincho, uma e outra vez. Por instantes, Ayalal desviou o olhar fechou os olhos, contendo um esgar. Nada merecia uma morte assim.

Quando o animal jazia sem vida, sobre a pedra fria, aproximaram-se todos, espreitando-o.

– E agora? – quis saber um dos órfãos que, até ao momento, fizera por se manter afastado.

– Tem ar de estar cheio de doenças – notou Ay, baixinho. – Pode ter sido ele que fez toda a gente ficar doente. É melhor… queimá-lo?

Para sua surpresa, ninguém discutiu a sugestão. O rapaz que segurava no atiçador (agora com um certo orgulho pelo feito), ao fim de três tentativas, ergueu o rato e equilibrou-o na ponta, até chegar à lareira, para dentro da qual o atirou. Ficaram a vê-lo arder, como um estranho e macabro espetáculo de fogo.

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